O VÍCIO FORMAL E A DECADÊNCIA NO PROCESSO ADMINISTRATIVO TRIBUTÁRIO
- Rodrigo Antônio Alves Araújo
- Apr 13, 2021
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Existe na labuta diária daqueles que sofrem diretamente a repercussão do lançamento de ofício de crédito tributário concernente ao ICMS, uma grande disceptação acerca do que se entende por vício formal ou material concernente ao auto de infração, a fim de aplicação do prazo decadencial com fulcro no inciso II do art. 173 do CTN, quando se trata de lançamento cujo auto de infração foi julgado nulo.
No caso em tela, a grande celeuma ocorre quando no julgamento administrativo o auto de infração é considerado nulo, estando o crédito tributário passível de decadência, em virtude do lançamento originário ter ocorrido já no final do prazo de cinco anos, ou seja, na iminência da caducidade, sendo, em conseqüência da nulidade, ressalvado o direito da Fazenda estadual de proceder a um novo feito.
Neste caso, vislumbra-se que o questionamento surge no momento da feitura do novo procedimento fiscal, tendo em vista geralmente já ter ocorrido o transcurso do prazo de cinco anos contados do primeiro dia do exercício seguinte aquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado, estando, em tese, decaído o direito, conforme disciplinamento contido na inteligência emergente do art. 173, inciso I do CTN, in verbis:
Art. 173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados:
I - do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado;
Destarte, observa-se que passados os cinco anos e estando o direito de lançar o crédito tributário precluso, em regra, não se poderia efetuar novo lançamento, em virtude da decadência, porém, o inciso II do art. 173 do CTN dispõe que será reaberto novo prazo decadencial se a nulidade decorrer de vício formal, conforme se abebera da transcrição ipsis litteris abaixo:
Art. 173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados:
II - da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado. (CTN)
Diante dessa premissa, infere-se que o deslinde da questão tem como cerne distinguir o que seja vício formal ou material, para efeito de aplicação da norma relativa à decadência, perquirindo-se a possibilidade de realização ou não de um novo feito fiscal.
Assim, vislumbra-se ser cediço que o Direito Tributário é caracterizado pela sua formalidade, onde os atos devem ser praticados de acordo com as formas prescritas na legislação, sob pena de sua ineficácia no mundo jurídico.
Visto que o Direito Tributário é essencialmente formal, dentro da expectativa de inserir o poder de tributar na estrita legalidade, visando proteger o contribuinte contra excessos de exação, onde essa formalidade guarda pertinência direta com a qualidade dos atos administrativos que são estritamente atos vinculados à lei, sendo mister lembrar que todo ato administrativo também é um ato jurídico.
Neste ínterim e diante das considerações tecidas, ficou patente que o ato administrativo de lançamento tributário de ofício deve ser praticado de acordo com as formas prescritas na lei, destarte, dentre as exigências formais mais comuns, estão as da lavratura dos termos próprios para delimitar a ação fiscalizatória, a fundamentação legal do lançamento e a descrição correta da infração.
Assim, chega-se à ilação de ser o vício formal toda inobservância aos requisitos e formas prescritas em lei para a elaboração do ato administrativo do lançamento, que tenha o condão de prejudicar a finalidade do ato, pois urge ressaltarmos não ser todo vício formal ensejador de nulidade do auto de infração, a exemplo do enquadramento da infração, onde se perquire que estando o fato descrito corretamente, o juiz aplicará a lei de acordo com o fato narrado, enquadrando a infração conforme a subsunção do fato a norma, assim, um erro de enquadramento, apesar de infringir a forma determinada na lei, por si só não teria o condão de ensejar a nulidade do auto de infração.
Aquiescendo-nos com essa tese, observamos ser o vício formal uma característica do ato que o macula e lhe atribui um defeito, de maior ou de menor importância jurídica, sendo causa suficiente para anular o ato, mas que não lhe retira a sua existência como um todo, de pleno direito, tornando o ato inexistente, consistindo o vício de forma na omissão ou na observância incompleta ou irregular de formalidades indispensáveis à existência ou seriedade do ato.
Neste diapasão, verifica-se que no vício formal, a infração está patente, todavia, diante da inobservância de formalidades previstas em lei, não se pode proceder a exigência do crédito tributário, ensejando a necessidade de nulidade do auto de infração para a realização de um novo feito fiscal após saneado o vício observado, neste caso, o ilícito constatado permanece hialino, podendo ser exigido depois de corrigido o vício.
Portanto, um lançamento anulado por vício formal é ato que existiu, tanto assim que foi anulado por vício de forma, neste norte, a decisão final que declare a anulação do ato por vício formal, nada mais faz que conceder a administração pública o reinício de novo prazo decadencial, pois se observa que o Estado não “dormiu” quando da exigência do crédito tributário, agiu dentro do prazo, todavia, o agente competente cometeu um erro de forma, o qual não pode prejudicar a coletividade na forma de impossibilitar a arrecadação do imposto que se destinará a sociedade como um todo, com essa finalidade é que foi criado o inciso II do art. 173 do CTN.
In casu, observa-se na prática diária que o vício de forma mais observado nas instâncias administrativas de julgamento se opera quanto à natureza da infração, onde existe a inadequação da linguagem enunciativa do fato, sendo observado que neste caso, a infração estaria clara, todavia, diante da inadequada descrição do ilícito, não se pode subsumir o fato a norma, impossibilitando a exigência do imposto.
Já quanto à constatação de erro na pessoa do infrator, ou seja, erro na sujeição passiva, vislumbra-se ser outro vício constatado diariamente na processualística tributária, onde mister se faz ressaltar ser este tipo de vício denominado de material, sendo um erro externo que ultrapassa a orla dos vícios de formalidades, já que sequer se constituíra a relação jurídico-tributária.
Portanto, perquire-se que o vício formal deve ser algo interno ao ato, sendo condição sine qua non para sua caracterização a constatação de uma irregularidade praticada pelo agente que traga prejuízo a finalidade do ato, lembrando mais uma vez que não seria qualquer erro de forma que teria o condão de ensejar a nulidade.
Não se devendo confundir vício formal com material, o qual se opera por erro na apuração de valores que pode ser passível de saneamento, assim como com imprecisão na elaboração do ato que cause cerceamento de defesa, a exemplo da ausência da ciência ao contribuinte ou mesmo procedimentos equivocados na aplicação das técnicas de aferição.
No caso em apreço, observa-se que no momento do julgamento seria prudente conter nas fundamentações de sentença se a nulidade se origina de vício formal ou material, a fim de evitar que o novo procedimento a ser realizado pela fiscalização não deixe de ser efetuado por ser considerado decaído, com lastro no inciso I do art. 173 do CTN, em virtude de não se poder distinguir o motivo do vício que originou a nulidade do auto de infração, já que o inciso II do mesmo diploma legal ampara a realização de um novo feito, porém, ressalvado o caso de nulidade por vício formal.
Perfilhando esse entendimento, vislumbramos que os lançamentos de créditos tributários cujo vício ocorra na técnica de aferição, os quais caracterizam a iliquidez e incerteza do crédito tributário, a exemplo da aplicação da Conta Mercadorias em estabelecimento industrial, assim como a sucumbência do arbitramento originário da Conta Mercadorias diante da apresentação de uma contabilidade regular, ou mesmo o cerceamento de defesa ao contribuinte por ausência de ciência ou a errônea denominação da pessoa do infrator, são considerados erros de matéria e não de forma, os quais não estão passíveis do benefício albergado no inciso II do art. 173 do CTN.
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