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Prejuízo Bruto na Conta Mercadorias-Estorno do Crédito x Princípio da não-cumulatividade

  • rodrigoaaaraujo
  • Apr 29, 2021
  • 9 min read

Este trabalho traz à baila uma análise doutrinária acerca dos vícios verificados quando da aplicabilidade por parte da fiscalização do Levantamento denominado Conta Mercadorias, quando a repercussão tributária se opera na forma de prejuízo bruto, o qual traz como conseqüência a obrigatoriedade do estorno do crédito fiscal no caso da aplicação em empresas que mantêm contabilidade regular.


No caso em tela, é cediço que o Levantamento da Conta Mercadorias pode ser aplicado tanto em estabelecimentos que mantém apenas escrita fiscal, onde neste caso a técnica utilizada leva em conta o arbitramento de 30% do lucro bruto.


Assim como é perfeitamente legítima a aplicabilidade do Levantamento da Conta Mercadorias nas empresas que mantém contabilidade regular, todavia, neste caso específico, não se tem que se falar em arbitramento do lucro bruto, pois os dados alocados levarão em conta os preços de estoques, entradas e saídas, onde a repercussão a ser encontrada se acosta na falta de estorno do crédito fiscal originada da constatação de “PREJUÍZO BRUTO”, caracterizado quando o valor da base de cálculo da saída é inferior ao de entrada.


“Ab initio”, mister se faz ressaltarmos que na presente consideração, trataremos apenas da aplicabilidade do Levantamento da Conta Mercadorias em empresa que mantém contabilidade regular.


Neste diapasão, ao adentrarmos nos meandros da técnica denominada Conta Mercadorias, quando a mesma é aplicada em estabelecimento comercial que possui escrita contábil regular, verifica-se na prática hodierna que a fiscalização corretamente considera apenas, para efeito de aferição, as mercadorias tributáveis, inclusive as operações de transferências.


Partindo dessa premissa, perquire-se que o resultado da aferição repercute em infração, quando se constata que o valor da base de cálculo das saídas foi inferior a base de cálculo das entradas, sem que houvesse o estorno do crédito fiscal na mesma proporção.


No caso “in comento”, urge ressaltarmos que o prejuízo bruto verificado na Conta Mercadorias não tem nexo causal com o prejuízo verificado na Demonstração de Resultado de Exercício-DRE, como equivocadamente muitos entendem, já que na DRE é levado em conta as receitas e despesas, a exemplo das operacionais e não operacionais, neste norte, verifica-se que uma empresa pode concomitantemente ter lucro na Conta Mercadorias e ter prejuízo na Demonstração de Resultado de Exercício, para isto basta ter havido uma despesa extra no exercício e de grande monta, a exemplo de uma ação trabalhista perdida.


Outrossim, na Conta Mercadorias é levado em conta apenas as operações de compras e vendas, considerando os estoques inicial e final.


Destarte, quando se constata saídas com base de cálculo inferior as de entradas, tal fato pode repercutir na obrigatoriedade de estornar o crédito fiscal, conforme podemos observar na inteligência emergente do art. 85, inciso III, do RICMS/97, transcrito ipsis litteris abaixo:


“Art. 85. O sujeito passivo deverá efetuar estorno do imposto de que se tiver creditado sempre que o serviço tomado ou a mercadoria entrada no estabelecimento, observado o disposto no § 6º:


III - for objeto de saída com base de cálculo inferior à operação de entrada, hipótese em que o valor do estorno será proporcional à redução;” (Grifo nosso)


Neste diapasão, após o exame exegético da norma supra, infere-se que a empresa deverá estornar o crédito do ICMS, proporcional a diferença verificada entre a base de cálculo concernente à entrada e a saída, quanto esta for menor, assim, ao perfilhar essa tese, mister se faz ressaltar que não discordamos da exigência relativa ao estorno, haja vista o disciplinamento está hialinamente contido no RICMS.


Mesmo porque, é de bom alvitre ressaltarmos a sucumbência do vasto entendimento doutrinário acerca da ilegalidade da exigência do estorno do crédito fiscal a ser realizado, mormente no caso de redução de base de cálculo, quando os doutrinadores se apegaram no disciplinamento preceituado no art. 155, § 2º, II "a", da Carta da República, o qual determina que somente os casos de isenção ou de não-incidência não implicariam crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes, onde alegam os doutrinadores que a Carta Magna não insere nessa vedação a hipótese de redução da base de cálculo.


Ora, com a devida vênia, urge ressaltarmos que tal tese foi derrotada pelo veredictum proferido recentemente pela Corte Suprema, quando proferiu uma decisão mudando o posicionamento anterior, no julgamento do RE 174.478-SP, no dia 17/03/05, quando considerou que a redução de base de cálculo do ICMS equivaleria à isenção, mais precisamente, a isenção "parcial".


Visto que o Plenário do Supremo considerou que o mecanismo que reduz a base de cálculo do ICMS na saída de produtos, prevê o estorno, na mesma proporção, dos créditos do imposto recolhido na entrada de insumos, onde se vislumbra que tal posicionamento está perfeitamente de acordo com o espírito do tributo, que é o de sujeição ao princípio da não-cumulatividade.


Neste norte, com o advento da decisão retromencionada, passou a ser perfeitamente legal a exigência do estorno do crédito fiscal quando se constata que as saídas ocorreram com base de cálculo inferior a base de cálculo das entradas.


Todavia, não nos coadunamos com a forma como é efetuado o estorno por parte da fiscalização.


Haja vista a premissa de que a exigência deve respeitar integralmente o princípio constitucional da não-cumulatividade, onde chamamos a atenção para o fato de que, havendo realmente a constatação de prejuízo bruto, o auditor, para fins de estorno de crédito, deve levar em consideração no momento do cálculo do valor a estornar, as alíquotas de entradas individualmente, mormente as de 7% e 12%.


Já que é cediço ser o ICMS um imposto não cumulativo, conforme dispõe a Constituição Federal na norma transcrita “ipsis litteris” abaixo:


“Art. 155 – ..................................................................


§ 2º - O imposto previsto no inciso I, “b”, atenderá ao seguinte:


I – será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal.” (Constituição Federal)


Visto tal disciplinamento ter sido incorporado na íntegra à Lei Complementar 87, de 13 de setembro de 1996, pelo art. 19, conforme transcrição “in verbis”:


“Art. 19 – O imposto é não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou por outro Estado.”


“In casu”, é pacífico e uníssono que qualquer tributo previsto no sistema tributário consagrado pela Constituição de 5 de outubro de 1998, tem as regras básicas de seu regime jurídico tributário fixadas, primordialmente, pela Carta Política, e o ICMS não constitui exceção, porque, segundo o ordenamento constitucional brasileiro, a Constituição é o instrumento legislativo próprio para definir e delimitar competências tributárias.


Ora, o exercício dessa competência tributária, também conceituada como o poder atribuído a uma pessoa jurídica de direito público interno, para instituir, cobrar e fiscalizar a arrecadação de tributos, é regido por princípios dos quais o outorgado, titular da competência, não pode se afastar, assim, ao atribuir competência aos Estados e ao Distrito Federal, para instituir o ICMS, através do art. 155, inciso I, alínea “b”, o legislador constituinte submeteu, ao § 2º, inciso I, do mesmo artigo, a instituição do ICMS à observância ao princípio da não-cumulatividade.


Destarte, nota-se que o dispositivo constitucional, ao estabelecer a não-cumulatividade do ICMS com base no sistema de compensação de débitos e créditos escriturais, utiliza, em relação ao imposto, às expressões “devido” e “cobrado”, pois quando o legislador constituinte refere-se ao ICMS, utilizando o termo “devido”, ele contempla a obrigação tributária do imposto em tese, isto é, em sua generalidade, sem distinguir qualquer hipótese de afastamento dessa obrigação por força de normas de imunidade, de isenção, de exclusão do objeto da obrigação, de suspensão e outras espécie de exoneração da mesma.


Assim, o legislador constituinte parte do pressuposto, puro e simples, de que o imposto é devido naquela operação ou prestação praticada pelo contribuinte. Todavia, ao se referir ao “montante cobrado”, o legislador constituinte não parte do mesmo pressuposto, pois contempla apenas a obrigação tributária em concreto, não mais em tese, ou seja, aquela que foi efetivamente exigida e paga, pelo contribuinte, na operação anterior, destarte, imposto devido não significa, necessariamente, imposto cobrado, pois o imposto pode ser devido e não ser cobrado, por força de uma isenção, por exemplo, outra, porque imposto devido e imposto cobrado geram efeitos distintos, dessa forma, o fato de o imposto ser devido pode, ou não, autorizar a apropriação de crédito fiscal, o imposto cobrado sempre autoriza essa apropriação.


Ao perfilhar essa tese, chegamos à ilação de que a compensação dos débitos e créditos do ICMS nas operações anteriores e posteriores com uma mesma mercadoria ou serviço, operam da seguinte maneira:


O montante do imposto cobrado no ingresso da mercadoria ou serviço no estabelecimento pode ser compensado com o imposto devido na saída dessa mercadoria ou na prestação de um serviço subseqüente, se este imposto for efetivamente exigível e recolhido e na proporção do valor efetivamente pago quando da entrada.


Neste diapasão, vislumbra-se que a exigência do imposto com base na mesma proporção da diferença da base de cálculo a menor deve ser considerada apenas no caso das alíquotas de entradas e saídas serem as mesmas, como por exemplo, nas operações internas, onde neste caso específico deve ser utilizado para o estorno do crédito fiscal a mesma proporcionalidade.


Todavia, urge ressaltarmos que tal proporção não deve ser aplicada quando se tratar de aquisição em outras unidades da Federação cuja alíquota aplicada seja a interestadual e as vendas forem internas, pois neste caso, ao efetuar-se o estorno do crédito com base na mesma proporção da diferença constatada, haverá o abominável efeito cascata, o qual fere o princípio da não-cumulatividade tributária, conforme passaremos a demonstrar.


ð Aplicação correta da proporcionalidade no momento do estorno do crédito fiscal:


Aquisição Interna => R$ 10.000,00

ICMS 17% => R$ 1.700,00 (Crédito)


Vendas Internas => R$ 8.000,00

ICMS 17% => R$ 1.360,00 (Débito)


Saldo credor R$ 340,00 (Prejuízo Bruto- 20%)


No exemplo supra fica claro que o estorno deve ser proporcional à redução (prejuízo), devendo ser exigido o estorno do crédito na quantia de R$ 340,00, que equivale à proporção de 20% entre o valor da base de cálculo de aquisição e de saída.


Porém, quando as aquisições são realizadas em outras unidades da Federação, cujas alíquotas variam entre 7% e 12%, não pode ser aplicado o estorno seguindo a mesma proporção da redução, já que mesmo que o valor da base de cálculo das saídas seja inferior a de entrada, o valor do débito será em maior monta que o crédito, conforme demonstrado abaixo:


Aquisição Interestadual SP => R$ 10.000,00

ICMS 7% => R$ 700,00 (Crédito)


Vendas Internas => R$ 8.000,00

ICMS 17% => R$ 1.360,00 (Débito)


Débito R$ 660,00.


Neste norte, apesar da base de cálculo da saída ter sido inferior a de entrada, não haverá o que estornar, já que o débito foi maior que o crédito, assim, a contumácia em efetuar o estorno tomando por base a mesma proporcionalidade da diferença entre a base de cálculo da saída e a da entrada, fará surgir o efeito cascata, que fere o princípio da não-cumulatividade, onde a carga tributária que incidirá sobre a operação passará a ser de 18,75%, em vez da carga exigida por lei de 17%.


Partindo dessa premissa, é de bom alvitre lembrar que a carga tributária que incide sobre uma operação interna, no caso do ICMS, após a compensação do crédito fiscal, se houver, reporta-se a 17%, neste norte, em uma aquisição realizada em SP no valor de R$ 10.000,00, o crédito a ser compensado com o débito quando da saída será de R$ 700,00.


Seguindo esse raciocínio, quando da efetiva saída, considerando o valor hipotético de R$ 13.000,00, o débito será de R$ 2.210,00, o qual equivale a carga tributária de 17%, porém, desse valor será reduzido a quantia de R$ 700,00 (valor do imposto pago quando da aquisição), relativo a compensação do crédito fiscal referente à aquisição, resultando no valor a recolher de ICMS de R$ 1.400,00, já que da carga tributária total que incide sobre a operação no percentual de 17%, que equivale aos R$ 2.210,00, uma parte foi recolhida quando da aquisição da mercadoria (R$ 700,00) e o restante (R$ 1.400,00) no momento da venda, que resulta num total de ICMS recolhido na operação de R$ 2.210,00 (carga tributária total de 17%).


Outrossim, se considerarmos os valores hipotéticos da operação mencionada, quando a aquisição se deu no valor de R$ 10.000,00, com ICMS destacado de R$ 700,00, equivalente a alíquota interestadual de 7%, verifica-se que havendo uma venda por valor inferior ao valor de aquisição na ordem de R$ 8.000,00, cujo débito se reporta a R$ 1.360,00, constata-se que a fiscalização erroneamente exige o estorno do crédito proporcional a redução, que no caso em tela se opera em 20%, conforme explicitado no art. 85, inciso II, do RICMS/PB.


No caso vertente, não temos como aquiescermos com tal procedimento, pois ao se exigir o estorno na mesma proporção da redução (20% = R$ 140,00), o valor do crédito fiscal a ser compensado com o débito, conforme norma emanada do princípio da não-cumulatividade tributária, não será de R$ 700,00, o qual foi pago quando da aquisição do produto e sim de R$ 560,00 (700,00 – 140,00).


Dessa forma, o valor a ser recolhido de ICMS ao erário estadual quando da venda será de R$ 800,00 (1.360,00 – 560,00), e não o valor de R$ 660,00 (1.360,00 – 700,00) que deveria ter sido recolhido com a compensação do valor integral do crédito fiscal de R$ 700,00, o que enseja uma carga tributária final recolhida na operação de 18,75%, já que o total de ICMS pago na operação foi de R$ 700,00, quando da aquisição, e R$ 800,00 quando da venda, resultando no montante recolhido de ICMS na operação de R$ 1.500,00 (carga tributária de 18,75%), quando o valor correto seria R$ 1.360,00 (carga tributária de 17%).


Comprovando assim o efeito cascata, o qual fere frontalmente o princípio da não-cumulatividade tributária.


Ex positis, após as considerações tecidas, vislumbra-se que quando da constatação na Conta Mercadorias de prejuízo bruto, deve o auditor se ater à Conta Gráfica do ICMS, onde sendo observado que o valor registrado a DÉBITO é maior que o do CRÉDITO, não há que se falar em estorno de crédito, haja vista nestes casos que as aquisições ocorreram em sua maioria com alíquota interestadual, assim, a contumácia em estornar o crédito quando da constatação de prejuízo bruto em que o saldo devedor suplanta o credor, caracteriza um procedimento deletério ao contribuinte e que fere um princípio constitucional, levando ao efeito cascata, já que é pacífico e uníssono ser o ICMS um imposto não cumulativo.


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