VENDAS COM FINANCIAMENTO-INCIDÊNCIA OU NÃO DO ICMS SOBRE OS ACRÉSCIMOS FINANCEIROS?
- rodrigoaaaraujo
- Jun 12, 2021
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Observa-se nas operações efetuadas pelas empresas nos dias atuais a dúvida que surge quanto à base de cálculo do ICMS relativa às vendas realizadas com acréscimos financeiros.
Visto vislumbrarmos que grande parte das vendas no varejo ocorre através de financiamento, onde perquirimos haver por parte das empresas em determinadas operações uma diferenciação entre o preço a vista e a prazo das mercadorias vendidas.
Surgindo assim questionamentos acerca da base de cálculo do ICMS para efeito de recolhimento, visto em algumas operações a prazo os encargos financeiros estarem embutidos no preço, podendo ser assumidos tanto pela empresa vendedora, como por uma financeira. Ocorrendo assim a disceptação acerca da base de cálculo do ICMS.
No caso em tela, quanto à diferenciação de preço entre a venda a vista e a prazo, o Supremo Tribunal Federal já pacificou jurisprudencialmente a matéria, conforme se infere da transcrição ipsis litteris abaixo:
CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. ICMS. VENDAS A PRAZO.
I – Legislação sobre ICMS que não diferencia operações de venda à vista e a prazo. Legitimidade, dado que o fato gerador é a circulação de mercadorias. Precedente.
II – Negativa de trânsito ao RE. Agravo não provido.
(STF - AgR no RE n.º 228.242/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 22/10/2004)
Assim, infere-se da exegese da decisão supra não haver diferenciação para efeito de incidência do ICMS quando da realização de vendas à vista e a prazo, uma vez que a simples saída do produto já caracteriza o fato gerador do referido tributo, devendo a base de cálculo ser o valor da operação, ou seja, o valor recebido efetivamente pela vendedora.
Partindo dessa premissa, infere-se que várias são as operações realizadas pelas empresas para consumidor final, seja através de cartão de crédito, carnês ou outro meio de financiamento, assim, necessário se faz tecermos considerações a fim de distinguir, para efeito de incidência do ICMS, qual a base de cálculo do imposto nessas operações.
Destarte, observa-se que a venda a vista se opera pelo recebimento integral do valor a ser pago até 30 dias da realização da compra, já a venda a prazo o recebimento do valor a ser pago se opera em várias parcelas, onde no preço em regra estará embutido o valor dos encargos financeiros.
Portanto, ao nos reportarmos às operações realizadas através de cartão de crédito, verificamos que a venda a prazo difere da venda com cartão de crédito, precisamente porque nesta o preço é pago de uma só vez, assumindo o comprador o encargo de pagar prestações do financiamento a empresa diversa da que efetuou a venda.
Neste caso específico, a empresa vendedora receberá da administradora do cartão o valor da venda realizada, deduzido a taxa de administração, todavia, deverá emitir a nota fiscal com o valor real da venda da mercadoria, já que o ônus da taxa da administradora é considerado custo da empresa vendedora, não podendo ser abatido da base de cálculo do ICMS.
Assim, chega-se à ilação de que o valor do ICMS não incidirá sobre os encargos do financiamento, já que a base de cálculo do imposto não deve incluir o valor dos encargos, conforme dispõe a Súmula nº 237-STJ, transcrita abaixo:
Súmula n.º 237 - Nas operações com cartão de crédito, os encargos relativos ao financiamento não são considerados no cálculo do ICMS.
Todavia, havendo a venda de um bem a prazo através de cartão de crédito em várias parcelas, dependendo do contrato realizado entre as partes, ou seja, empresa vendedora e a administradora de cartões de crédito, a empresa vendedora receberá da administradora o valor das parcelas em cada mês, assim como poderá receber todo o valor da venda da administradora de cartão de uma só vez, porém, além da taxa de administração, receberá o valor descontado também dos juros, ao tempo em que, nesse caso, deverá recolher o valor do ICMS com base no valor total da venda da mercadoria, independente de receber efetivamente da administradora um valor inferior.
Já quanto à venda de bens móveis realizada diretamente através de financeira, a exemplo da aquisição de um automóvel, onde o adquirente financia parte ou todo o valor do veículo para pagamento em várias parcelas, cabe a financeira repassar de uma só vez o valor acordado do bem para a concessionária, ficando o adquirente do bem devedor da financeira.
Neste caso, também deve ser emitida a nota fiscal no valor acordado do bem vendido, sem os encargos financeiros do financiamento, incidindo o ICMS sobre o valor do bem.
Nesse norte, após as considerações tecidas, vislumbramos que não poderia a matéria ter outro entendimento, pois ao sabermos que o ICMS incidirá sobre a saída de mercadorias de estabelecimento comercial, industrial ou produtor, e que a base de cálculo da citada exação deve ser o valor de que decorrer a saída da mercadoria, chega-se a ilação da impossibilidade de que o ICMS venha a incidir sobre o valor financiado.
Neste diapasão, é de grande valia trazermos à colação a referência ao aresto do STJ acerca da matéria, cujo conteúdo transcrevemos ipsis litteris abaixo:
FINANCIAMENTO. ICMS INDEVIDO. APLICAÇÃO ANALÓGICA DA SÚMULA N. 237/STJ.
I - Na esteira da firme jurisprudência desta colenda Corte, 'nas vendas efetuadas com financiamento ou cartão de crédito, o valor dos encargos não deve ser considerado na base de cálculo do ICMS' (REsp n. 508057/SP, Rel. Min. Luiz Fux, Rel. p/ acórdão, Min. José Delgado, in DJ de 26/4/2004).
II - Incidência, por analogia, da Súmula n. 237/STJ , na espécie.
III - Agravo regimental desprovido.
(AgRg no REsp n.º 300.722/SP, Primeira Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, DJ de 16/05/2005)DA MERCADORIA."
In casu, chega-se à clara ilação de que ocorrem na realidade dois negócios paralelos: a compra e venda e o financiamento.
Não cabendo a incidência do ICMS sobre os encargos financeiros cobrados, por ser essa operação sujeita ao Imposto sobre Operações Financeiras – IOF, o qual é de competência da União.
Outrossim, quanto à venda a prazo, cujo encargo financeiro é assumido pela vendedora, infere-se ocorrer apenas uma operação (negócio), cujo preço é acordado para ser pago em mais de uma parcela diretamente pelo comprador.
É um negócio no qual o vendedor oferece ao comprador o pagamento parcelado do produto, acrescendo-lhe o preço final, razão pela qual o valor desta operação constitui a base de cálculo do ICMS, na qual se incorpora o preço "normal" da mercadoria (preço de venda a vista) e o acréscimo decorrente do parcelamento.
Pois diferentemente da venda financiada, que depende de duas operações distintas para a efetiva "saída da mercadoria" do estabelecimento, quais sejam: uma compra e venda e outra de financiamento, apresenta-se a venda a prazo como uma única operação, apenas com acréscimos acordados diretamente entre vendedor e comprador da mercadoria.
Assim, nesse caso ventilado, perquire-se que não se deve aplicar a mesma premissa utilizada na operação com financeira, para excluir da base de cálculo do ICMS os encargos de financiamento (diferença entre o preço a vista e a prazo) assumidos pelo adquirente perante terceiros, decorrentes de venda a prazo, que, em verdade, nesse caso de intermediação de financeira, traduzem-se em elevação do valor da mercadoria adquirida cujo ônus é assumido pelo adquirente, porém, o valor recebido pela empresa vendedora deverá se reportar ao preço à vista contratado.
Em regra, vislumbra-se que a venda a prazo efetuada pelas empresas varejistas muitas vezes são realizadas através de carnês, onde em sua grande maioria, os encargos financeiros são assumidos pela própria empresa vendedora, levando assim a obrigatoriedade de incluir o valor de tais encargos na base de cálculo do ICMS.
No caso em apreço, observa-se com frequência a ocorrência de repercussão tributária quanto ao recolhimento do ICMS, visto determinadas empresas efetuarem a venda ao consumidor final, emitindo a nota fiscal com o preço a vista da mercadoria, todavia, quando emite os carnês de pagamento, embute nos mesmos os encargos financeiros da venda a prazo, o que resulta no preço total da mercadoria vendida, deixando de pagar ICMS sobre os encargos cobrados, o que caracteriza uma infração tributária passível de autuação, a qual denomina-se de subfaturamento.
Pois como é cediço, a base de cálculo do ICMS deve ser o valor da operação, conforme se abebera do RICMS/PB, concernente as normas infracitadas:
Art. 14. A base de cálculo do imposto é:
I - na saída de mercadoria prevista nos incisos I, III e IV do art. 3º, o valor da operação;
Art. 3º Considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no momento:
I - da saída de mercadoria de estabelecimento de contribuinte, ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular;
Perfilhando essa assertiva, vislumbra-se ser o valor da operação para efeito de incidência do ICMS o valor efetivamente recebido pela empresa vendedora como pagamento da mercadoria vendida, não sendo levado em conta o valor dos encargos cobrados pelas financeiras, assim, a nota fiscal emitida deve contemplar como base de cálculo exatamente o valor da operação que será pago pelo adquirente da mercadoria à empresa vendedora referente ao valor efetivo do produto vendido, ou seja, a tributação deve incidir sobre o valor efetivamente recebido pela empresa concernente ao pagamento da mercadoria, exceto se for comprovado documentalmente que parte do valor recebido se reporta a encargos financeiros devidos à instituição bancárias.
Diante das considerações tecidas, evidencia-se que a base de cálculo do ICMS deverá ser sempre o valor recebido pela empresa vendedora referente ao valor da mercadoria vendida, onde os acréscimos financeiros intermediados por instituição financeira estão fora da incidência do ICMS.
Haja vista, diante da crise financeira que assolou o mundo, a qual ensejou a falta de crédito no mercado interno, as empresas varejistas que realizavam suas vendas quase que exclusivamente através de financiamentos através da modalidade CDC (Crédito direito ao consumidor), tiveram uma diminuição drástica de seu faturamento em virtude da falta de disponibilidade de crédito no mercado para os financiamentos.
Tendo em vista as instituições financeiras passarem a ser mais seletivas nas análises de créditos solicitadas na modalidade CDC, pois antes da crise o custo financeiro efetivo relativo a um parcelamento de 10 vezes era de aproximadamente 112,5236 % a.a, depois da crise a taxa no mesmo período e tipo de operação passou para o percentual de 165,0810 % a.a, e mesmo com o aumento das taxas as financeiras ainda continuaram negando quase que totalmente os pedidos de financiamentos realizados pelos consumidores. Repercutindo diretamente no faturamento das empresas varejistas.
Dessa forma, a fim de possibilitar a sobrevivência no mercado das empresas varejistas, diante da falta de crédito para os financiamentos, modificou-se a forma de realização da operação de financiamento, sendo proposta por algumas empresas uma diminuição do risco das financeiras, e como consequência, a redução das taxas de juros, onde as empresas vendedoras passariam a condição de fiadora como devedora solidária e responsável pelo pagamento das prestações assumidas pelos consumidores finais, fazendo com que a taxa do custo financeiro caísse para quase 50% a.a, ou seja, o risco que era das financeiras passou a princípio para as empresas varejistas através de uma operação quadrangular realizada entre o consumidor final, a financeira, a administradora de cartão de crédito e a empresa varejista.
Todavia, urge ressaltarmos que para a legitimidade desse tipo de operação em termos fiscais, necessário se faz a realização da demonstração detalhada dos lançamentos fiscais/contábeis de todo o procedimento realizado pela empresa varejista, a exemplo de contrato com a financeira, contrato com o cliente e cupom fiscal, comprovando assim que o recebimento de numerário para liquidação das parcelas financiadas junto à financeira, em nome do consumidor final, não ficariam na empresa varejista.
Pois só assim ficará resguardado o erário estadual quanto ao recolhimento do ICMS, diante da possibilidade de um acompanhamento detalhado e eficaz da operação por parte da Fazenda estadual, pois sem essa transparência, a operação perde sua legitimidade.
Devendo ser lembrado que o ICMS incidirá sobre o valor efetivamente recebido pela empresa varejista correspondente ao valor da venda a vista, não sendo incluído na base de cálculo do ICMS o valor do encargo financeiro da operação de financiamento realizada para aquisição do bem, cuja responsabilidade pelo pagamento ficava a carga como intermediária da empresa vendedora.
Nesse caso ventilado, apesar da empresa varejista receber o repasse da administradora do cartão de crédito no valor superior ao constante da nota fiscal (preço da mercadoria), tal valor seria repassado pela varejista diretamente para financeira, já que a mesma é interveniente na operação realizada entre o cliente (comprador) e a instituição financeira..
Procedimento este diferenciado da operação de venda a prazo através de carnês, cujos encargos são assumidos pela vendedora, pois nesse caso, sendo acordado que o adquirente da mercadoria realizará o pagamento em parcelas através de carnês, o documento fiscal emitido deve contemplar o valor total das parcelas, já que os encargos financeiros embutidos no valor da mercadoria não terão intermediação de financeira. Sendo recebido integralmente pela varejista como pagamento pela mercadoria vendida.
Entendimento este já pacificado hodiernamente, conforme ementa transcrita abaixo:
AgRg no REsp 848723 / RS AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL 2006/0110299-7
TRIBUTÁRIO - ICMS - VENDA A PRAZO SEM INTERMEDIAÇÃO DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA - ART. 13 DA LC 87/96 - BASE DE CÁLCULO - INCLUSÃO DE ENCARGOS DA VENDA NO VALOR DA OPERAÇÃO - PRECEDENTES DO STJ - SUCUMBÊNCIA - FIXAÇÃO.
1. Sobre a venda a prazo sem intermediação de instituição financeira incide ICMS. Precedentes das Turmas da 1ª Seção.
2. A discussão sobre a incidência ou não de ICMS sobre o valor acrescido pela venda a prazo é exclusivamente de direito, estranha à análise de fatos e provas, e restou devidamente prequestionada na origem.
3. Agravo regimental não provido.
Nesse diapasão, diante das considerações tecidas, chega-se à clara ilação de que os encargos financeiros só devem fazer parte da base de cálculo do ICMS quando a própria empresa vendedora financia a venda, assim, havendo a interveniência de uma instituição financeira, o valor dos encargos financeiros não devem fazer parte da base de cálculo do ICMS.
Autor: Rodrigo Antônio Alves Araújo

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